quarta-feira, agosto 31, 2005

PARAMNÉSIA

Três sóis sustentavam-se num firmamento plano, rubro e de um infinito sem perspectiva, cada sol com sua particularidade, cada qual com sua cor, e todas primárias. A singularidade de cada uma dessas estrelas a lumiar periodicamente todos os sítios aprazíveis sob elas, quebra-se quando o astro maior e de cor mais clara circunda os outros dois sóis. Quando Crinaco e Enasta estão contidos em Cresu, os três astros transformam-se em um prisma ofuscante e opulento, de onde se precipita uma parajá suficiente para nutrir todos as criaturas existentes e inexistentes.
Sansa, um ser existente e belo desperta de uma letargia programada, seus captores de movimentos confundem-no, desconserta-se com seus membros inferiores e de anatomia simétrica. Ao caminhar Sansa não toca o solo que o sustenta, faz movimentos em torno de si mesmo buscando uma rota auxiliar e oposta a já definida e modulada em sua mente.
O sítio de Oseb, onde se encontra Sansa, é limítrofe ao norte pela Retônia, um deserto sem geografia e de substância volátil, que somente um Ivotaga é capaz de sobrevoá-lo sem consumir-se em chamas, lá a parajá não é capaz de tocar sua superfície. Ao leste uma muralha repleta de caifastre desintegra qualquer criatura existente e somente as inexistentes podem ultrapassá-la e até se alimentar dos frutos que ali brotam. Sansa projeta-se para o sul, pois à oeste está toda a memória e lógica fornecida aos existentes, esgota toda sua energia e não mensura o quanto resta para chegar à lugar algum, não existe horizonte naquele sítio, a perspectiva é desconhecida. Exausto, deitasse no leito do grande Exletes, fica ali entre galhos densos a impedir os reflexos de Cresu e ocultando seu corpo pálido e simétrico de qualquer outra criatura existente.
Sansa mesmo desorientado capta um som harmonioso a quebrar o silêncio, era um expressivo Lestoleuco que, com somente quatro membros era capaz de saltar e movimentar-se sem qualquer dificuldade, uma criatura inexistente, desprovida da mínima inteligência, por mais curta que fosse. Lá estava ele, o pequeno Lestoleuco a cantar, vívido e transparecendo felicidade, quando junto a ele outro de sua espécie aproximasse e um sobre o outro se transformam numa só criatura. Sansa espantasse com a abrupta cena de acasalamento e vê agora um só Lestoleuco, sem sexo definido e com um útero a brotar três rebentos, a matriz originada daquele casal ao poucos desintegrasse e surge no local uma flor branca de espinhos intimidadores.
Transparecendo uma crise inexplicável, o existente Sansa consome-se num sentimento jamais descrito em suas sínteses emotivas. Fica espantado ao ver sua própria imagem cruzar o leito do velho Exletes, todo o conhecimento e sentimento até então inexplicável, e numa medida insensata utiliza a extremidade de seu próprio tentáculo superior para abrir um veio na sua artéria principal, alimentando o leito seco do Exletes com uma substância viscosa e cintilante. Esgotado todo o sumo de sua existência, Sansa não tem êxito, resolve então abandonar seus membros inferiores e retornar a sua letargia programada.
Pontualmente uma nova parajá salta do prisma de Cresu, Crinaco e Enasta, o líquido precipitado daqueles sóis unidos dá inicio a uma nova transformação: surge um novo Sansa a partir dos membros inferiores ali deixados.O novo Sansa contém todos os conhecimentos e membros simétricos como o Sansa anterior, porém sua perfeição não ressurge no novo ser existente, esse percebe que a flor nascida do Lestoleuco não é branca, e sim púrpura como o céu, e que cada sol tem sua própria cor, o amarelo, o azul e o vermelho.
O novo Sansa se alimenta dos frutos da Caifastre e caminha pela Retônia sem se consumir em chamas, e canta uma linda harmonia sem notar que é observado e invejado por um ser que se diz perfeito, existente e sobretudo triste.

O Livramentense

nota: Texto publicado no portal Leia Livro
http://www.leialivro.com.br/texto.php?uid=6462
em 29/09/05 e divulgado no site http://www.analorgia.com em textos enviados outubro/05.