quinta-feira, setembro 22, 2005

SÃO GONÇALO DO RIO BAIXO


Na rua São Gonçalo do Rio Baixo, nada acontece. Pouco se vê nessa rotina monótona, além, é claro, do morro em frente chamado Jardim Vista Alegre. “Vista Alegre”... realmente uma antítese de mau gosto. O que nos apresenta Vista Alegre não é bonito, tudo é à vista, tijolos e telhas esverdeados, harmonizando com as paredes úmidas e desalinhadas. Lá toda casa tem o seu próprio barranco, sustentado somente pela fé do morador.
Desenhadas no asfalto, linhas brancas semelham com correntezas de um rio; rio abaixo desce os carrinhos de rolemã, que corajosos seguem em disparada traçando longos traços no asfalto. Não recebemos cartas, não adianta muito, não tenho conhecimentos nem de leitura, nem de escrita, pai e mãe pouco sabem. Minto ao dizer que não conheço a escrita, posso afirmar que desenho, e bem o nome de minha mãe, de meu pai e claro, o meu. Sempre olho a placa azul, com letras brancas em alto relevo identificando o nome da rua no bairro conhecido como Parque Tietê, onde todos afirmam que é Cachoeirinha, que por si só já é longe de tudo.
A casa em que eu resido se situa numa esquina, ela é pintada de amarelo e as janelas e porta são azuis, tem muros baixos, quintal amplo e germinado onde pai cultiva couves. Nos acomodamos todos em um único quarto, já que a casa tem somente dois cômodos, o outro é a cozinha. Na esquina oposta, a caminho da pré-escola, tem um terreno espaçoso e vazio onde passo de manhã para encontrar com a tia Maria do Céu todos os dias da semana. Vou sempre só, pois é a cerca de minha casa e mamãe trabalha muito, nem vi pai sair de casa de tão cedo que ele foi trabalhar.
Hoje a rotina monótona chegou ao fim, o terreno baldio que atravesso todos os dias não está mais vazio. Uma bela tenda vermelha e cheia de fios dourados abriga agora uma família de ciganos. E na rua São Gonçalo do Rio Baixo todos se preocupam, contornam o quarteirão para evitar os nômades com seus anéis de ouro, roupas vermelhas e pretas, com rostos expressivos e enigmáticos.
Gostaria de agradecer a esses ciganos da rua São Gonçalo do Rio Baixo, finalmente tenho a alegria de caminhar de mãos-dadas com a minha mãe até a pré-escola e apresentá-la à tia Maria do Céu, que me afaga com carinho e comenta com minha mãe: “Que belo sorriso hein?”


O Livramentense