domingo, novembro 13, 2005

PARAMNÉSIA II

Um calor infernal e eu ali, embaixo do cobertor fingindo dormir. Hoje faço quinze anos e tudo que tenho é essa imagem obscura na penumbra da noite, sussurros.
Vejo essa mulher, que sempre dividiu o amor de meu pai, sem o menor respeito ou pudor, meu aniversário, e ela ali aos beijos e abraços com outra mulher. Sempre sonhei ter o meu próprio quarto, sempre imaginei possuir um homem digno e fiel como meu pai.
Com minha pouca idade já compreendo do que um homem necessita e gosta, e gosto!. Se ao menos minha mãe desse o valor necessário àquele homem, que me privou de possuí-lo.
Não suporto mais o calor, acelero minha respiração e as duas também. Algo familiar naquela mulher a satisfazer o sexo de minha mãe, sou eu, eu mesma a trair meu amado pai.
Imediatamente avanço em direção a cama das duas, eu e minha mãe, não reajo, não existo. Uma brisa causaria maior reação do que minha atitude.
O desespero inquieta meus sentidos, não tenho quinze anos naquela cama, somam-se rugas, suor transpirado e consumidos naquela cena grotesca. Busco algo para recordar-me de meu pai, e acima da cabeceira da mesma cama, lá esta ele... conciliador, algemado a uma cruz de Santo André, acompanhando com o olhar todos os meus movimentos e meus com minha mãe.
Em minhas mãos percebo uma boneca de palha linda, com olhos cheios de desespero, destroço aquela aberração e percebo algo em meu próprio ventre volumoso.
Mãe, socorro! Não me ouve? Socorro! Papai gira em sua cruz com velocidade espantosa, mamãe se recompõe, não estou mais naquela cama, não estou mais velha e nua. Não há cena de relação alguma, não existo ali, mamãe dorme um sono calmo, acolhida pelo meu belo pai.
Minha cabeça gira, estou só em meu próprio quarto, decorado com pelúcias rosas, e no canto iluminado, um aquário de peixes dourados faz um som tranqüilizador.
- Filha, acorda!
- Mãe, tive um pesadelo horrível.

O Livramentense